quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Fome, obesidade, desperdício: um problema de todos nós

Antônio Coquito

A afirmativa do senso comum de que o Brasil é o país da contradição traz à tona o debate e a busca de soluções no campo da segurança alimentar e nutricional sustentável. Trata-se do tripé “fome, obesidade, desperdício”. A ação direta nesse dilema é um chamado a toda sociedade, para assumir um papel de conscientização pública e reversão de indicadores preocupantes. Os desafios devem fomentar reflexão e busca de atitudes imediatas.

O Brasil é um dos principais produtores de alimentos do planeta. Temos a maior e mais rica oferta de produtos alimentícios. Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (ONU - FAO) mostram que o nosso país produz 25,7% a mais de alimentos do que necessita para toda a população. Porém, dessa realidade, constamos que uns comem de menos, em condições inadequadas. Já outros, demais e com hábitos alimentares nada saudáveis. E, por fim, outros destinam boa parte dos alimentos ao lixo, configurando-se em toneladas de desperdício.

Fome

A radiografia da fome deve nos incomodar para a busca de soluções urgentes. Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativa a 2009, apontam que 11,2 milhões de pessoas passaram fome no período. Os números dão conta de que 30% dos lares brasileiros não têm acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente.

A PNAD mostra que a fome brasileira tem uma identidade nordestina, rural, pobre, negra e de baixa escolaridade. Segundo dados da pesquisa, a situação de insegurança alimentar atinge aproximadamente 8,6% (nível moderada) e 7% (nível grave). Já na área urbana, os dados são de 6,2% (moderada) e 4,6% (grave). Em se tratando de regiões, o Norte e o Nordeste do Brasil apresentam níveis inferiores à média nacional no que se refere à segurança alimentar. Os Estados com situação mais grave são Maranhão (35,4%) e Piauí (41,4%). A pesquisa constata que, nesses Estados, nem a metade das residências têm alimentação saudável e em condições adequadas. A região Sul é a que tem melhores condições.

O grau de instrução está ligado diretamente às condições de insegurança alimentar. Os dados da PNAD mostram que quanto menor a escolaridade, mais precária é a alimentação. Segundo a pesquisa “Em 2004, 29,2% dos moradores sem instrução ou com menos de um ano de estudo apresentavam restrição na quantidade de alimentos moderada ou grave”. Já em 2009, a proporção caiu para 20,2%. Mesmo tendo melhorado os indicadores, a situação continua a desafiar os profissionais da área de nutrição.

Obesidade

O aumento de peso da população brasileira dá indícios de que temos um problema de saúde pública. Segundo dado da Organização Mundial de Saúde (OMS), existem no mundo mais de 1 bilhão de adultos com sobrepeso e 300 milhões com obesidade. A obesidade é fator de risco para problemas cardiovasculares, de diabetes, hipertensão arterial e certos tipos de câncer. Na saúde pública, o quadro de obesidade brasileira reflete em R$ 1,5 bilhão na conta do Sistema Único de Saúde (SUS).

Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE apontam que a obesidade cresce em todas as regiões do Brasil. Os números afirmam que “o sobrepeso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e nada menos que 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos”. Levando-se em conta o poder aquisitivo, entre os 20% mais ricos, o excesso de peso chega a 61,8% na população de mais de 20 anos. Também nesse grupo, concentra-se o maior percentual de obesos: 16,9%. No ritmo em que estamos, a previsão do IBGE é que, em dez anos, poderemos atingir os padrões norte-americanos.

Atenta aos dados de obesidade e sobrepeso, a Assembleia Mundial da Saúde, entidade deliberadora da OMS, chamou a atenção para o problema. Em seu documento, “Estratégia global em alimentação, atividade física e saúde”, a instituição adverte aos governos de todos os países que se comprometam em implantar políticas que estimulem padrões saudáveis de alimentação e de atividade física.

Desperdício

A trajetória do desperdício começa na produção de alimentos. O IBGE deu o alerta: “estamos desperdiçando cerca de 6 milhões de toneladas de alimentos”. Explicitando o desperdício, dados do Instituto Akatu, que trabalha pelo consumo consciente, 44% do que é plantado se perdem na produção, distribuição e comércio. Sendo, 20% na colheita, 8% no transporte e armazenamento, 15% na indústria de processamento e 1% no varejo. No consumo caseiro e hábitos alimentares, as perdas acumulam mais de 20%. No total, o desperdício significa algo em torno de 64%.

Os números do Akatu sinalizam que, ao mesmo tempo em que 14 milhões de brasileiros passam fome, “o restante da população joga no lixo 30% de todos os alimentos comprados”. Os dados o Akatu são reforçados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a qual constata que o brasileiro desperdiça mais do que consome. Os dados do IBGE confirmam o consumo de 35 quilos por ano. Unindo os dados da Embrapa e do IBGE, a perda é 2% maior do que o consumo. O índice de hortaliças chega a 37 quilos. Essa situação tem um perfil que aponta 20% em casa, 15% nos restaurantes.

A preocupação com uma ampla conscientização sobre o desperdício tem consequências econômicas, ambientais e sociais. Dedicando-nos a combater o desperdício e a promoção de bons hábitos alimentares, proporcionamos o acesso ao alimento para boa parte da população. Dessa forma, levando bem-estar e vida saudável.

Soluções

Onde há problemas, temos de buscar soluções. As iniciativas de reversão dos dados assustadores são diversas e podem ser realizadas por todos. Existem várias atitudes que envolvem os mais variados atores sociais. O importante é conhecer o contexto e agir. Um exemplo é a aquisição de produtos locais e, ou, regionais, além de mais saudáveis e com custo mais baixo, contribuem para diminuir a poluição e o desperdício causado pelo transporte.

Em casa, nos restaurantes, nas escolas e instituições, podemos implantar a cultura do aproveitamento integral dos alimentos. No preparo, sempre que possível, reutilizar as cascas e talos. Todos podem resultar em sucos e tortas, bem como enriquecer arroz, sopas, risotos e outros.

O quadro brasileiro é um convite à intervenção nas políticas públicas municipais, estaduais e nacional de saúde, segurança alimentar e cidadania. Nas políticas e nos programas sociais, encontramos canais efetivos para realizar ações com atuação local, que contribuam na reversão desta que pode ser considerada uma agressão conjuntural colocada diante dos nossos olhos.


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