terça-feira, 15 de outubro de 2013

Desintoxicação digital


Alessandro Faleiro Marques*

Recordo aqui um artigo escrito por mim há algum tempo, intitulado “O segredo da desinteligência”. Passaram-se os anos, mas vi que quase nada mudou. Por isso, retomo alguns pensamentos. Como educador, cada vez mais me convenço de que existe o lado oposto da aprendizagem, do crescer acadêmico, espiritual e sapiencial. Essa parte tenebrosa é o “emburrecimento”, termo mais adequado ao nosso cotidiano. Nos meus tempos de faculdade, nenhum dos meus mestres ousou tocar no assunto do “não inteligenciamento”. Isso nos desanimaria ou seria um segredo só para os já iniciados?

Para mim, uma das causas do mal é a ingenuidade, o deslumbre idiota diante de certas inovações. Outro dia, li um artigo dizendo que adiantou pouquíssimo encherem-se de computadores as escolas. Fiquei impressionado com o fato de isso, sim, ter aumentado os casos de déficit de atenção. Em resumo, o projeto de abarrotar de aparelhos as salas de aula só serviu para dar mote para propaganda governamental, atrair pais e alunos (chamados de clientes pelas redes) e para encher a cabeça de crianças e adolescentes de muita, muita toxina digital. São tantas informações que os neurônios da moçada estão dando curto-circuito. O intento, a princípio bom, ainda saciou o desejo de orgasmo pedagógico de alguns mais “empolgados”, achando que a simples eletronicização didática colocaria escola e jovens “ligados ao mundo e à modernidade”.

Apesar do encantamento, está havendo pouco ou nenhum preparo dos educadores para melhor aproveitarem o recurso. Os jovens também não foram preparados. Adolescentes, crianças e adultos ficaram apenas boquiabertos com a tecnologia e, estéreis, entregaram-se a ela. Valorizou-se muito o meio, não o fim. Dias atrás, dei boas gargalhadas ao ver a foto de um colégio afiliado a uma grande rede promover a entrada solene de um tablet (cá entre nós, prefiro “tabuleta”) gigante, feito de madeira e que seria usado para... colar cartazes (!!!). Será que, nas décadas passadas, fizeram o mesmo com a máquina de escrever, o mimeógrafo ou a calculadora digital? Eu riria do mesmo jeito, creio.

O excesso de dados entope a cabeça das pessoas. É um fenômeno comum na Pós-modernidade, tempo marcado pela rapidez, barulheira, mosaiquices e descarte fácil de coisas, ideias e pessoas. Cabeça sufocada é fruto de mundo caótico e vice-versa, fazendo muita gente viver só porque nasceu.

Em vez de reclamar, ouso sugerir uma “campanha de desintoxicação digital”. Selecione suas leituras, seja frio. Descarte o inútil, veja o essencial. Faça o jejum cibernético e analise se realmente aquela parafernália real e virtual é essencial para sua vida.

Sejamos seletivos, questionadores e preocupemo-nos em colocar no devido lugar o útil mundo digital. Tenhamos cuidado para não sermos motivo de chacota gratuita de nossos descendentes. Digamos sim às maravilhas dos avanços, mas também ao olho no olho, ao inteligenciamento, às luzes; e proclamemos um sonoro não à avalanche de textos, vinhetas, piadas, curtidas, álbuns, fofocas, gráficos e infográficos. Desintoxiquemo-nos!


* Alessandro Faleiro Marques é professor, redator e revisor de textos. Texto original publicado no site da Athom 3 Consultoria (www.athom3.com.br).



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