sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Por um Natal com menos brilho

Alessandro Faleiro Marques*

Esta época é excelente para algumas reflexões. Por todos os lados, vemos mensagens, demonstrações de afeto (ainda que só em aparência) e até sinceros gestos de perdão de si e dos outros, de recomeço, como deve ser a vida. Diferente das muitas previsíveis mensagens a pipocar em todos os meios, eu gostaria de desejar algo diferente neste ano: tenha o nosso Natal menos brilho.

O nascimento de Cristo é, em si, um protesto divino contra uma certa canalhice de nossos dias, inclusive nesta época do ano. Para explicar, voltemos às origens, há mais de 2 000 anos. Contemplemos a cena de uma criança obrigada a nascer em um nada estético e mercadológico curral da minúscula Belém, envolto em faixas e colocado em um cocho. Sim, engula-se: Deus nasceu pobre, muito pobre. A quem pensa que ser abençoado é ter coisas, está aí um estridente recado. Desde ali, o Menino Deus já iniciava sua missão. Os primeiros do povo a serem avisados da grande notícia foram os pastores, trabalhadores discriminados na época. O mesmo seria na ressurreição (o maior acontecimento da fé cristã), quando Maria Madalena, representante das mulheres, foi a primeira a testemunhar a grande novidade naquela cultura machista.

Sem firulas, ouso dizer: o Salvador deve rir de pessoas que gastam 12 mil reais em uma árvore de Natal, 11 mil para enfeitar a casa com luzes coloridas, mas ignora um centavo para o próximo pôr pão na mesa, pelo menos nesta época do ano. Ele deve dar gargalhadas de escárnio contra quem acende luzes externas, enquanto as do coração continuam apagadas, imbecis e artificiais como a neve de espuma de sabão a enfeitar vários shoppings.

Caríssimos, oremos para que o Natal, de agora para frente, tenha mais clareza e menos brilho. Destronemos o Papai Noel (não falo do corajoso bispo Nicolau, santo) e coloquemos no lugar o presépio, criação do ricamente pobre Francisco de Assis. Façamos a experiência de resgatar da esmola das horas extras os trabalhadores explorados pelo sistema adorador das trevas dos pisca-piscas. Em último caso, valorizemos os artesãos, as lojinhas e as mercearias, aonde podemos ir a pé e somos chamados pelo nome.

Senhor, obrigado pela chance de, pelo outro, podermos vê-lo, ouvi-lo e sentir seu afeto e até os seus puxões de orelha durante todo o ano. Em nome de nossa saúde, haja, em todas as mesas, as delícias do suficiente, não só na ceia sagrada da noite da Estrela, mas em todas do ano. Que caiam os números dos gráficos financeiros e cresça nossa felicidade. Que resplandeça somente a sua luz. Amém.

A todos a minha clandestina, mas sincera, bênção “urbi et orbi”.


* Alessandro Faleiro Marques é professor, redator e revisor de textos. Texto original publicado no site Caos e Letras (www.caoseletras.com).