Alessandro Faleiro Marques*
Esta época é excelente para algumas reflexões. Por todos os lados, vemos
mensagens, demonstrações de afeto (ainda que só em aparência) e até
sinceros gestos de perdão de si e dos outros, de recomeço, como deve ser
a vida. Diferente das muitas previsíveis mensagens a pipocar em todos
os meios, eu gostaria de desejar algo diferente neste ano: tenha o nosso
Natal menos brilho.
O nascimento de Cristo é, em si, um protesto divino contra uma certa
canalhice de nossos dias, inclusive nesta época do ano. Para explicar,
voltemos às origens, há mais de 2 000 anos. Contemplemos a cena de uma
criança obrigada a nascer em um nada estético e mercadológico curral da
minúscula Belém, envolto em faixas e colocado em um cocho. Sim,
engula-se: Deus nasceu pobre, muito pobre. A quem pensa que ser
abençoado é ter coisas, está aí um estridente recado. Desde ali, o
Menino Deus já iniciava sua missão. Os primeiros do povo a serem
avisados da grande notícia foram os pastores, trabalhadores discriminados na época. O mesmo seria na ressurreição (o maior
acontecimento da fé cristã), quando Maria Madalena, representante das
mulheres, foi a primeira a testemunhar a grande novidade naquela cultura
machista.
Sem firulas, ouso dizer: o Salvador deve rir de pessoas que gastam 12 mil reais em uma árvore de Natal, 11 mil para enfeitar a casa com
luzes coloridas, mas ignora um centavo para o próximo pôr pão na mesa,
pelo menos nesta época do ano. Ele deve dar gargalhadas de escárnio
contra quem acende luzes externas, enquanto as do coração continuam
apagadas, imbecis e artificiais como a neve de espuma de sabão a enfeitar
vários shoppings.
Caríssimos, oremos para que o Natal, de agora para frente, tenha mais
clareza e menos brilho. Destronemos o Papai Noel (não falo do corajoso
bispo Nicolau, santo) e coloquemos no lugar o presépio, criação do
ricamente pobre Francisco de Assis. Façamos a experiência de resgatar da
esmola das horas extras os trabalhadores explorados pelo sistema
adorador das trevas dos pisca-piscas. Em último caso, valorizemos os
artesãos, as lojinhas e as mercearias, aonde podemos ir a pé e somos
chamados pelo nome.
Senhor, obrigado pela chance de, pelo outro, podermos vê-lo, ouvi-lo e
sentir seu afeto e até os seus puxões de orelha durante todo o ano. Em
nome de nossa saúde, haja, em todas as mesas, as delícias do suficiente,
não só na ceia sagrada da noite da Estrela, mas em todas do ano. Que
caiam os números dos gráficos financeiros e cresça nossa felicidade. Que
resplandeça somente a sua luz. Amém.
A todos a minha clandestina, mas sincera, bênção “urbi et orbi”.
* Alessandro Faleiro Marques é professor, redator e revisor de textos. Texto original publicado no site Caos e Letras (www.caoseletras.com).