terça-feira, 10 de setembro de 2013

“Os menino travesso tá jogano bola!”

Alessandro Faleiro Marques*

O título deste texto fala de um ou mais “menino”? Se você disse que ele se refere a pelo menos dois moleques, você está correto. Agora, tente responder à próxima pergunta: em qual idioma foi escrito o título? Se você disse português (vale brasileiro), acertou de novo. Sim, a frase no título mostra uma manifestação oral do português brasileiro. Mais uma surpresa: ela está dentro dos modelos de uma gramática. Isso mesmo! E você pode ficar tranquilo (talvez) porque ainda estou em meu juízo.

Para a tristeza de alguns poderosos, a gramática não é apenas aquele livro pesado, cheio de regras, exceções e notas de rodapé. Existe em todos nós uma gramática interna, às vezes muito diversa daquela que somos obrigados a comprar e a venerar nas aulas de Língua Portuguesa por aí. E o mais chocante (menos para os cientistas da linguagem): essa estrutura “genética” costuma ser mais bem bolada e prática do que aquelas listas de normas estudadas por nós somente porque serão cobradas em provas; vide os abstratos regulamentos de colocação pronominal, alienígenas ao uso brasileiro.

Na área linguística, a sabedoria popular tem muito valor, como deveria ser em todas as outras. Note que, na frase, o falante usou o plural apenas no artigo “os”. Isso bastou para toda a ideia se remeter facilmente à existência de mais de um agente na oração. No português formal, imprecisamente chamado de “português certo”, a estrutura seria bem diferente: “Os meninos travessos estão jogando bola!”. Se, na primeira, apenas uma palavra foi para o plural, na segunda, houve concordância em quatro delas. Nem sempre o mais complicado é o mais avançado. Que o digam os mecânicos.

Em uma língua, a lei do menor esforço não é necessariamente a da preguiça. O fenômeno é levado muito a sério e, com outros elementos, também explica algumas alterações em “jogano”, no lugar do gerúndio formal “jogando”, e “tá”, em vez de “está” (ou “estão”, na conjugação formal). Isso ocorre no desenvolvimento de nosso idioma: o latino “horologĭum” virou “relógio”, e ninguém questiona a forma deste último. Como se esquecer aqui do clássico “Vossa Mercê” para “você”?

Um mero “certo ou errado” como argumento numa área imprecisa e bela como a da língua reduz muito as possibilidades de ampliar a reflexão dessa ciência. Mais do que corrigir o outro, o ideal é estudar o motivo de alguém falar deste e não daquele modo. Há muitas razões. O certo mesmo é buscar entender o fenômeno. Posso lhe garantir: há um tesouro a ser descoberto, expondo nosso contexto atual, o nosso passado e até como será com nossos descendentes. A chave para esse baú é o não preconceito e o desejo de se ter mais sabedoria do que só inteligência.

Em outra oportunidade, refletirei um pouco sobre a ideia de “português culto”.


* Professor, redator e revisor de textos.



Um comentário:

Anselmo Ribeiro disse...

Muito bom! Assim você já mostra porque "quase sem mistério".