Alessandro Faleiro Marques*
Ela veio chegando mansamente e, mais ou menos, nos últimos três anos,
entrou em minha vida. De repente, a inesperada companheira começou a
andar comigo por onde eu ia. Não perguntava se podia. Simplesmente
entrava comigo no carro, no ônibus e me seguia nos meus passeios, que, a
cada dia, tornaram-se mais escassos.
De cara, já digo: não gostei. Era feia. Feia não, era assombrada como
palavrão em sexta-feira de Quaresma. Eu tentava reagir, mas não
adiantava. Pudera, a intrusa parecia não respeitar desejo de ninguém.
Ela fazia o que queria, quando e onde bem entendia.
No início, era só um micromote para piadas ou outras conversas para
passar o tempo. Entre risadas e goles, descobri: eu não era o único
escolhido. Um amigo próximo chegou a confessar que passou em claro uma
noite com a tal. Uma não, várias e várias noites. Mais tarde, ele me
disse: foram também dias. Não fiquei com o menor ciúme, posso garantir.
Aos poucos, ela foi tomando conta de minha vida. Começou a implicar
comigo quando eu me sentava ou me levantava. Era tão possessiva que
nem dançar eu podia mais. Por causa dela, minha rotina começou a mudar.
As gargalhadas dos amigos e até as minhas começaram a diminuir quando
ela era o tema dos colóquios outrora gratuitos. Tive até de parar de fazer
as tais caminhadas prescritas pelo telejornal da tarde. No fundo,
confesso, até achei bom, pois meu espírito sedentário andava louco por
colocar a culpa em alguém para voltar à cômoda posição ociosa. Nesse
ponto, tinha pouco a me queixar da que forçava ser minha parceira.
Mesmo que ela insistisse, não tinha a menor intenção de juntar-me,
amasiar-me, amigar-me, sei lá... A presença da ordinária não me inspirava
nenhum sentimento de poesia, de fidelidade, de cumplicidade, de qualquer
união estável, contratual civil ou religiosa, ou o que fosse. Rezava
todos os dias para que a vida nos separasse.
Não me largava a infeliz. Pelo contrário, a cada dia, ela estava mais
afeiçoada a mim. Parecia uma possessão das grandes. Cruz credo! Deixei
de ter vontade e de ser livre. Dei-me conta de algo que, ao mesmo tempo,
é e não é, controlando-me inclusive por dentro. Ave Maria!
Eu me rendi. Agora, não conseguiria resolver esse problema sem ajuda de
outros. Uma lição de humildade que, infelizmente, sou obrigado de novo a
creditar à companheira egocêntrica. Lamentei mais uma vez receber coisa
boa dela, dessas que nos fazem crescer. Isso só contarei aqui. Farei tabu do aprendizado. Não espalharei e não farei propaganda da
dita cuja. Não estou com a menor vontade de agradecê-la por nada.
Afinal, ela me ensinou, mas foi caro. Custou-me tempo, dinheiro e os
comentários maliciosos de alguns.
Armei verdadeira estratégia bélica. Resolvi: eu faria de tudo para
tirá-la de minha vida. Entre idas e vindas a benzeções, banhos pouco
aromáticos, terapias e aconselhamentos, quase fui atropelado, perdi
tempo e meu telefone móvel e, algumas vezes, deixei até de comer do bolo de
aniversário de meus colegas de trabalho.
Quando soube dos meus planos pouquíssimos secretos, a sirigaita, em atos
surreais de zombaria, começou a acompanhar-me também na luta que armei
contra ela, acredite. Como vingança, tirou o meu pouco garbo. O peso
daquela cruz acabou interferindo em minha postura. As olheiras e a
barriga aumentaram em mim. E ela, tal qual no início, cheia de si. Ela era fiel,
nem queria saber se eu tinha boa aparência. As meninas deveriam aprender
isso dela, contra a minha vontade, dou esse conselho.
Certa vez, por causa desse arremedo de bicho ruim, eu me senti tal como atração de zoológico. Isso aconteceu em uma dessas terapias
alternativas. O que eu estava fazendo lá, meu Deus? Não tive tempo de
arrepender-me. Não houve passe, reza, nada! Só encheram meu corpo de
fios, e descarregaram progressivamente incômodos volts em mim. Meus
músculos começaram a pular e, para uma pândega observação
pseudocientífica (para mim, é claro), o responsável prendeu o respiro do
riso, observando aquele pequeno terremoto muscular. Vieram outros e
mais outros. Em poucos minutos, eu era dissecado virtualmente pelos
especialistas. Eu soube até mesmo o nome técnico da minha nádega
direita, dito por uma torta senhora vestida de branco. E a cruel
companheira lá, faltando pouco ter um acesso de tanto gargalhar. Reza
brava, sacramento, exorcismo, unção de tudo quanto há... Que nada! Meu “encosto”
não me deixava nem eu ficar de joelhos direito.
Ultimamente, para o meu júbilo, anda meio desanimada. Será que a relação
anda monótona para a ela? Bem feito! Tomara que sim. Às vezes, a danada
chega tarde, sem dizer por onde andou, mesmo sabendo que nunca
perguntaria isso a ela. Não quero nem saber! Vou continuar fazendo de
tudo para livrar-me dessa pagã, essa tal dor nas costas que eu arrumei.
Alessandro Faleiro Marques é professor, redator e revisor de textos
Texto original publicado no site Caos e Letras (www.caoseletras.com)
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