quinta-feira, 4 de junho de 2009

Impressões da visita à Rainha Morena (1ª parte)

Alessandro Faleiro Marques*

A verdade: o coração não batia do mesmo jeito. Enquanto avançávamos a estrada paralela à Via Dutra, vencíamos com mais voracidade cada metro engolido pelo carro preto. Nosso destino pareceu estar mais próximo. Não pela indicação das placas, mas pelos homens seguindo no canto da via. Passos rezados, cajado e mochila. A fé deles indicava que estávamos no rumo.

Depois da sequência de curvas, cada pulsação dentro da gente abafava teorias, críticas, ideias preconcebidas. Ao contornarmos a última curva, eis que surge o topo da impressionante torre. Admiramos em voz alta. Outra curva. Ela sumiu. Mais uma contravolta, e lá estava. Gigantesca. Vermelhamente monumental. Éramos engolidos pelo pátio posterior da segunda maior igreja do mundo. Subimos a rampa e nem nos importamos com o preço do estacionamento. Estávamos boquiabertos. Nem sabemos se o troco foi o certo. Queríamos conferir mesmo era se os nossos olhos estavam vendo o Santuário Nacional. Colossal construção a envolver a minúscula imagem aparecida do barrento eme do rio Paraíba.

Tivemos de respirar: emoção e viagem sinuosa desde a ponta da Serra da Mantiqueira, onde ficava Campos do Jordão, terra cheia de europeísmo. Na planura do Vale, juntava-se parte do verdadeiro Brasil. Gente de tudo quanto é cor, sotaque e condição. A nossa reserva de admiração era tanta que começamos o passeio já no grande pátio, em torno do círculo de túmulos episcopais dispostos na ponta de um dos braços abertos em curva.

Andamos rápido. Olhos em tudo. “É logo ali”, disse o guarda. Nem nos lembramos se o agradecemos. Que aqui o seja feito. Subimos a rampa ao som do canto coletivo. Olho fixo na parede, à esquerda. Ao ritmo de nossos passos, ela se nos mostrou naquele fim de manhã do sábado. Lá estava a pequena estátua no nicho nobremente metálico. Em milésimos de segundo, os joelhos dobrados jogavam por terra teologia e tudo quanto é racionalidade. Que se danem os livros! Lá estava a representação da Virgem. Morena da cor de muitos de nós. Assim a Mãe adotou o Brasil.

No silêncio envolvido em vidro blindado, o ícone coroado parecia aumentar o sorriso do barro cozido. Quantas fotos, quanta gente naquele maio. Não sabemos dizer (aliás, pouca coisa se explica em Aparecida), mas tivemos a mesma impressão: a mais brasileira das hebreias estava nos esperando. Parecia saber nosso nome. Nome, sobrenome e vida de cada um que se organizava por entre as barras de corrimão. Revelação que fizemos mutuamente durante o destemperado, deselegante e caro almoço da cidade velha.

Tudo majestoso. Por onde os olhos se voltavam, interjeitavam-se a correição de peregrinos, as pinturas, os corredores, a cúpula, as capelas. Mas a pequena imagem, coroada, mas humilde, representava a maior das mulheres.
No palácio e arredores, não faltam particularidades. Mas isso é assunto para a segunda parte deste artigo.


* Alessandro Faleiro Marques é professor, redator, peregrino e revisor de textos
Texto original publicado no site Caos e Letras (www.caoseletras.com)

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